A história de Auggie Pullman, o menino de aparência incomum que tem encantado milhares de leitores desde o lançamento do romance Extraordinário, em 2013, ganha agora novas perspectivas: Julian, Christopher e Charlotte, personagens da vida de Auggie, narram nos três contos reunidos no livro Auggie e eu seus encontros e desencontros com o amigo extraordinário. O capítulo do Julian dá voz a um personagem controverso: o menino que liderava o bullying contra Auggie na escola. Enfim temos a oportunidade de entender o que o levou a agir dessa forma e o que Julian pensa das próprias ações. Em Plutão, o narrador é Christopher, o primeiro amigo de Auggie. Os dois meninos compartilham lembranças da infância e, apesar de terem se distanciado, aprendem que boas amizades sempre valerão um esforcinho a mais. Shingaling mostra Auggie pelos olhos de Charlotte, a única menina entre as três crianças escolhidas para apresentar a Auggie sua nova escola. Com ela entramos no universo das garotas e vemos como a chegada de Auggie afetou as relações entre elas. Para quem sente saudades do menino cativante de feições e personalidade extraordinárias e tem curiosidade em saber mais sobre sua história, Auggie & eu é um verdadeiro presente.
O primeiro conto, como o próprio nome diz, é narrado pelo Julian. Em Extraordinário o personagem é um dos grandes vilões da história, afinal ele lidera o movimento de bullying contra Auggie. Porém, ao mergulharmos em seu dia a dia conseguimos observar o garotinho com outros olhos.
Em meu primeiro contato com a obra de J. R. Palacio, Julian me fez duvidar da educação que damos às crianças de hoje em dia. Constantemente me questionava o motivo de um menino de apenas dez anos não conseguir aceitar o diferente e, exatamente por isso, encher de insultos aqueles que não são como ele. Foi fácil ver Julian como um valentão, com um garoto sem limites e sem educação. Porém, me surpreendi ao ler seu conto e me deparar com uma criança normal: confusa, insegura, repleta de medos e que só quer se divertir com os amigos. Ao mergulhar em sua narrativa pude descobrir os motivos por trás de suas ações, e mesmo que nada disso justifique a prática do bullying, pude ao menos dar um voto de confiança a esse jovem – assim como todos ao seu redor.
Esse foi, sem dúvida, o melhor conto do livro. Mergulhar na mente de Julian deu outro panorama à história de Auggie, além de permitir que o leitor visualize melhor as dificuldades que sempre vão tornar o protagonista de Extraordinário diferente. O conto também nos mostrou que ninguém pode ser julgado, que antes de qualquer coisa precisamos entender o que motiva cada indivíduo, principalmente quando estamos falando de crianças que cometem bullying – todos nós erramos e sempre temos a possibilidade de mudar, basta tentar.
Já o segundo conto narra a história de Christopher, melhor amigo de Auggie desde que eles estavam na barriga de suas mães. Ao focar nas dificuldades que Christopher tem que enfrentar para ser amigo de Auggie, a autora mostra que às vezes a amizade requer muitos sacrifícios.
Esse é um dos contos mais reais da coletânea. É normal que o leitor se apaixone por Auggie e sinta-se melhor amigo dele – ao acompanharmos suas aventuras queremos fazer parte de sua vida, defendendo-o e protegendo-o constantemente. Entretanto, não entendemos todas as consequências desse laço, até porque criamos uma imagem incrível de Auggie, o que está longe da realidade quando o quesito é aparência. O ponto é que as limitações de Auggie afastam as pessoas, o que significa que não é fácil estar do lado dele e escolher ser seu amigo. E esse é exatamente o dilema de Chris: ele está cansado de escolher Auggie, de ver sua mãe priorizar o amigo por causas de suas limitações, de ver as outras crianças colocarem ele de lado por causa da presença de Auggie… Assim, ao se mudar para outro bairro, Chris aproveita o distanciamento para aliviar a pressão que essa amizade causa. Porém, em um momento de dor, ele vai perceber que as melhores amizades são as que estão longe de serem fáceis.
Adorei esse conto. Senti em Christopher uma naturalidade incrível para falar das dificuldades de ser amigo de Auggie. Ele não tem papas na língua, assim como todas as crianças, e é sincero ao expressar seus sentimentos. Chris é um bom garoto, mas às vezes ele preferiria não ser amigo de Auggie – e, ao contrário do que possa parecer, isso não o torna cruel. É lindo vê-lo descobrir o que são as verdadeiras amizades, e vê-lo perceber que o amor requer decisões difíceis nos dá uma bela lição sobre força e amadurecimento.
Por fim, o último conto é narrado por Charlotte. Ela foi designada como membro do comitê de boas vindas do Auggie, sempre foi muito educada com ele e nunca disse nada maldoso a seu respeito. Entretanto, a jovem também nunca fez um esforço para ser amiga de Auggie, para defendê-lo dos insultos, ou para ser verdadeiramente gentil com ele. Assim, eu seu conto vamos conhecer mais sobre como ela se equilibra em uma corda bamba para agradar todos ao seu redor.
O legal desse conto é que ele traz uma perspectiva completamente diferente do colégio para o qual Auggie vai: as panelinhas. Agora, no quinto ano, ficou ainda mais claro como os alunos se dividem em grupos, e como são os populares que se destacam. Portanto, acompanhamos Charlotte na tentativa de descobrir onde se encaixa, observando como ela tenta se manter neutra para agradar e ser aceita por todos ao seu redor – isso até o momento em que ela percebe quem é e quem realmente quer ser.
Senti que esse conto não tem tanta relação com Auggie, mas sim com as divisões sociais que fazem parte do mundo atual. As dúvidas de Charlotte são típicas de crianças nessa idade: a vontade de pertencer, de ser aceita e notada. E o bacana é que a partir disso a autora trabalha com o conceito de aparência, mostrando que não somos o que aparentamos, que vamos muito além dos nossos rostos ou dos apelidos que recebemos. E no geral o livro é exatamente sobre isso, sobre Auggie ser mais do que as deformações no seu rosto, sobre Julian ser mais do que um praticante de bullying, sobre Charlotte ser mais do que a garota aparentemente gentil, e sobre nós sermos bem mais do que pensamos que podemos ser.
Sobre a Série
Beijos!
Comente via Facebook