Outros jeitos de usar a boca é um livro de poemas sobre a sobrevivência. Sobre a experiência de violência, o abuso, o amor, a perda e a feminilidade. O volume é dividido em quatro partes, e cada uma delas serve a um propósito diferente. Lida com um tipo diferente de dor. Cura uma mágoa diferente. Outros jeitos de usar a boca transporta o leitor por uma jornada pelos momentos mais amargos da vida e encontra uma maneira de tirar delicadeza deles. Publicado inicialmente de forma independente por Rupi Kaur, poeta, artista plástica e performer canadense nascida na Índia – e que também assina as ilustrações presentes neste volume –, o livro se tornou o maior fenômeno do gênero nos últimos anos nos Estados Unidos, com mais de 1 milhão de exemplares vendidos.
Editora: Planeta l 208 Páginas l Poemas l Compare & Compre: Saraiva • Submarino • Amazon l Skoob l Classificação: 5/5 ♥
Não é segredo o quanto amo narrativas reais e reflexivas. Mesmo que os temas abordados sejam dolorosos ou que a história pareça cruel, amo a sensação de vivenciar as emoções descritas nas páginas de um livro. Portanto, não é surpresa nenhuma o fato de eu ter amado a intensidade por trás da narrativa de Outros Jeitos de Usar a Boca. Lê-lo foi como mergulhar de cabeça nas dores, medos e inseguranças que afligem qualquer ser humano. Os temas abordados não são belos e leves mas, ainda assim, é bonito ver como a autora transforma dores e lembranças ruins em algo bonito e sincero. Resumindo: Estou irremediavelmente apaixonada.
Para quem não sabe a Rupi Kaur ficou famosa ao compartilhar seus poemas nas redes sociais. Ao falar de temas reais que afligem toda a população – principalmente a feminina – a autora ganhou milhares de fãs e, exatamente por isso, resolveu publicar um livro. A ideia da obra era reunir seus poemas e compartilhar, através deles, importantes mensagens sobre preconceito, feminismo, abuso, amor e solidão. Mas uma coisa legal é que os temas dos poemas, que inicialmente vinham exclusivamente do dia a dia da Rupi, mudaram. Em determinado momento a autora passou a receber relatos de seus leitores e, a partir disso, começou a falar de assuntos ainda mais tabus – fatos que ela foi capaz de vivenciar através das histórias compartilhadas por seus seguidores. Ou seja, seus poemas são um tapa na cara da sociedade porque falam de experiências reais, da menina que foi hostilizada pelo namorado, da mulher traída pelo marido, da garotinha maltratada pelos pais, do namorado abandonado, e da sobrinha estuprada pelo tio. Além disso, vale dizer também que o texto (ou um deles) que impulsionou a carreira da autora aborda os estigmas da menstruação, algo que achei surreal de verídico (principalmente quando levamos em conta o quanto somos incitados a não falar publicamente sobre nosso período menstrual, como se isso fosse uma vergonha). Indico esse post para quem quer ver a tradução desse poema específico.
“Nós menstruamos e eles veem como sujeira. como forma de chamar a atenção. doente. um fardo. como se esse processo fosse menos natural que respirar. como se não houvesse uma ponte entre este universo e o anterior. como se esse processo não fosse amor. trabalho. vida. altruísta e impressionantemente belo.”
Entendendo um pouco mais sobre a autora, vamos para o livro. A obra é dividida em quatro partes: a dor, o amor, a ruptura e a cura. Nesses blocos a autora reúne poemas (e ilustrações também, viu?) de um mesmo tema e descreve histórias de luto, perda, estupro, repressão, tesão, amor, traição, término, perdão e recomeço. É a vida real diante dos nossos olhos, a vida de uma forma meio cruel e sexual em alguns pontos, mas ainda assim é a vida e suas nuances.
O primeiro bloco acabou comigo. Chorei, muito, principalmente nos poemas com teor familiar (me vi em alguns relatos sobre a dificuldade da filha em falar com o pai). No segundo bloco fiquei impressionada, amei como a autora falou do amor sem omitir o desejo, o toque, os beijos… Nesse tópico é importante dizer que, apesar do conteúdo sexual, Rupi Kaur usa as palavras com cuidado, trabalhando com duplos sentidos e sem a necessidade de ser obscena. No terceiro tópico, sobre a ruptura, fiquei incomodada. Ler sobre términos, mentiras, dores, traições, tentativas e erros nunca é fácil. E por último fiquei aliviada. A sensação é que, não importa a merda que a vida jogue em você, a cura está no final do caminho a sua espera, pronta para reavivar seu coração.
“fique firme enquanto dói faça flores com a dor você me ajudou a fazer flores com a minha então floresça de um jeito lindo perigoso escandaloso floresça suave do jeito que você preferir apenas floresça.”
Esse é o tipo de livro que lemos rápidos, já que são poucas páginas e todas com poemas, mas que ainda assim precisamos ler com calma. Cada página é uma bomba de emoções e sentidos, principalmente quando o leitor se identifica com a história narrada, então é importante ler a obra de coração aberto para todas as emoções – mesmo as tristes e dolorosas – que ela carrega. Acho importante também falarmos sobre a mensagem que a autora traz. Aqui ela nos mostra um pouquinho do dia a dia feminino, da opressão por trás do nosso corpo e das nossas escolhas. Por isso, ele é tido como um livro feminista. E, para mim, Outros Jeitos de Usar a Boca mostra muito bem o que é ser uma verdadeira feminista, provando que o movimento não é esse ato monstruoso que a mídia quer que acreditemos, mas apenas o ideal de esperar que o mundo nos valorize do jeitinho que somos: menstruadas ou não, depiladas ou não, mães ou não, donas de casa ou não, e assim por diante.
Sei que a resenha traz o enfoque no público feminino – e acho que senti isso porque a autora é mulher, porque eu sou mulher e porque fui, constantemente, marcada pelas emoções descritas aqui. Mas esse é o tipo de obra que pode e deve ser lida por qualquer pessoa. E que, se você abrir o coração, poderá te trazer a confiante sensação de vitória: vitória sobre o medo, a dor, o trauma, a depressão. – Porque se no final tudo acaba em cura, quem somos nós para perdermos a esperança?
Simplesmente leiam, vale muito a pena.
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