Vera Dietz e Charlie Kahn foram melhores amigos desde crianças até completarem 17 anos. Mas agora Charlie está morto. E morreu de uma maneira horrível e misteriosa. E morreu brigado com Vera. A vida não tem sido fácil desde então. Vera não sabe direito como agir, como pensar, o que sentir. Sua mãe foi embora quando ela tinha apenas 12 anos, e seu pai é adepto da filosofia de ignorar os problemas até que eles desapareçam por mágica. Mas Vera precisa fazer suas entregas no Templo da Pizza. Precisa abrir o coração para o amor. Precisa concluir o Ensino Médio. Precisa colecionar palavras para a aula de Vocabulário. Precisa entender o que realmente aconteceu com Charlie. Precisa seguir em frente.
Editora: Novo Século l 288 Páginas l Jovem Adulto Maduro l Compare & Compre: Saraiva • Submarino • Amazon l Skoob l Classificação: 5/5
Meu primeiro contato com o trabalho da A. S. King não poderia ter sido melhor. Já havia visto vários comentários positivos a respeito de suas histórias, mas ainda assim não estava preparada para o turbilhão de sentimentos que sua narrativa é capaz de gerar. Não é segredo que gosto de livros reais e reflexivos, principalmente aqueles que abordam a complexidade por trás da vida de um jovem adulto, portanto desde o início eu sabia que iria amar Por Favor, Ignore Vera Dietz, só não imaginava que me envolveria com ele de uma forma tão intensa. Alcoolismo, sexo, drogas, abuso, agressão física, distúrbios psicológicos, tragédias familiares… Ao misturar ficção com realidade, A. S. King criou uma história tocante, real e reflexiva; uma obra que marca, ensina e questiona os valores do leitor. De fato, nenhum livro dolorosamente real é fácil de ser lido, porém a vida é exatamente assim: confusa, conflituosa, repleta de erros, mas constantemente digna de redenção e esperança.
A obra gira em torno da jovem Vera Dietz. Com dezoito anos é de se imaginar que ela tivesse descoberto alguns dos segredos da vida, entretanto depois da morte do seu melhor amigo nada mais faz sentido – a vida já era complicada com Charlie ao seu lado, só que sem ele ficou infinitamente pior. Fora a morte precoce do amigo, Vera tem que lidar com o fato de que antes de Charlie morrer eles não estavam se falando. Antes da tragédia ela o odiava por ter se virado contra ela, por ter começado a andar com a turma errada, e por tê-la excluído de sua vida. Os dois cresceram juntos, mas em determinado momento ele passou a ignorá-la como todos os outros, recorrendo a amizade deles apenas instantes antes de morrer. Traumatizada pela noite em que tudo mudou, Vera passa a lidar com suas emoções conflitantes através da bebida, fato que traz à tona vários de seus problemas: uma mãe (stripper) que abandonou filha e marido, um pai ex-alcoólatra e os genes tendenciosos de sua família para alcoolismo, o relacionamento complicado com o pai, a solidão de não ter nenhum amigo, a confusão de não saber quais decisões tomar, o bullying no colégio, o amigo morto que a visita através de visões e mensagens, e o constante aviso para ignorar tudo ao seu redor que não parece ter solução. É óbvio que Vera precisa de ajuda, portanto o grande mistério do livro está em como essa jovem enfrentará as dificuldades da vida – dificuldades pelas quais muitos de nós passamos ou iremos passar.
Um dos diferenciais da obra está na forma como ela é narrada. Vera conta sua história de duas formas: pelo presente e pelo passado, descrevendo seu dia a dia ao mesmo tempo em que relembra episódios marcantes em sua trajetória. Por existir uma grande diferença entre a Vera do passado e a do presente, é impossível não perceber o quanto essa garota está quebrada. É doloroso e amargo presenciar tudo o que essa protagonista enfrenta calada, e é simplesmente impossível não se envolver com sua história de luta ou deixar de se surpreender com sua força. Além disso, temos pequenos capítulos narrados por seu melhor amigo. E a grande surpresa é que não são memórias de Charlie, mas seu momento atual como membro do outro lado. Ele morreu, mas possui algo pendente que o liga à Vera. Portanto, Charlie permanece ao seu redor, incitando-a a desvendar o segredo por trás da noite de sua morte enquanto simultaneamente ajuda-a a encontrar o caminho da felicidade. Essa parte foi, no mínimo, inusitada. Adorei a forma direta com a qual a autora aborda a morte ou como ela nos ajuda a ver que uma história sempre possui dois lados. Charlie foi maltratado pela vida, fez muitas escolhas erradas, magoou muito a Vera, mas no fundo a amava e só queria ser digno dela. E, por fim, ainda temos a narrativa do Tempo, um local inanimado constantemente citado do livro – e sim, sei que é estranho um Templo narrar partes de uma história, mas quem foi que disse que esse livro era normal? – e a constante narrativa do pai de Vera, um dos meus pontos de vistas preferidos. Amei o fato de a autora dar voz a um adulto com grande influência nas escolhas de Vera. Segundo a visão dela, temos a tendência de julgar as escolhas de seu pai. Mas graças à narrativa dele, percebemos que nem tudo é preto no branco, e que pais como o Sr. Dietz só querem o melhor para os seus filhos. Simplesmente amo livros assim, com várias narrativas, com mistérios intercalados entre presente e passado, e com a constante lembrança de que todo mundo comete erros.
Além de uma narrativa tão envolvente e singular, AMEI a abordagem dos temas complexos presentes na trama. A autora fala desde a necessidade de financiamento estudantil para o ingresso a faculdade até o abuso de drogas e álcool na juventude. De forma sútil, lemos sobre os medos e as inseguranças de qualquer jovem adulto, mas também lemos sobre os males que infelizmente afetam boa parte da população mundial. É comovente, sincero, rudemente real, e extremamente reflexivo. E o grande diferencial é que, mesmo que a autora nos lembre do quanto a vida pode ser difícil, em vários momentos ela deixa claro que todo mundo carrega sua cota de trauma e insegurança, que não estamos sozinhos enfrentando os altos e baixos do destino, e que para sermos diferentes basta querermos lutar. Seus personagens são tanto vítimas quanto culpados, todos constantemente falham e acertam, todos são humanos como nós. E esse é o charme do livro: a reflexão real do que é viver – mesmo quando seu melhor amigo morre, ou quando seu pai é um valentão que agride sua mãe, ou quando sua mãe é uma stripper fugitiva, e até quando uma garrafa de vodca parece a única solução para os seus problemas.
“O álcool causa depressão. O álcool causa perda de memória. Nenhum dos panfletos diz “o álcool faz com que o seu amigo morto apareça na forma de alienígenas infláveis e bidimensionais”. Nenhum dos panfletos diz que “o álcool faz a dor diminuir”. Mas eu sei que isso acontece.”
No geral eu amei o livro. Ele é forte, tocante, reflexivo, e estruturado de uma maneira totalmente diferente de tudo que já li – até porque não é sempre que temos um menino morto como narrador! Sinto que nem todos os leitores entenderão a forma com que a autora narra tal história, mas mesmo assim deixo o apelo do quão incrível essa história é e de como ela tem a capacidade de nos mudar. Depois dela, tenho certeza que você estará mais atento a sociedade ao seu redor e ao que deve ou não ignorar. Só, por favor, não ignore a Vera Dietz e o que ela tem para te contar.
Beijos!
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